Música Popular Brasileira

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MPB

quarta-feira, 7 de julho de 2010

O CHURRASCO

Brava Gente Brasileira, tudo bem?

Relatarei, hoje, página das mais impressionantes que tivemos a oportunidade de vivenciar na África do Sul. Nossa reunião no Domingo, 4 de Julho.

Terminada essa bobajada de seleção brasileira, resolvemos fazer um churrasco em honra ao Botequim do Rio que, dentro do que se propôs, deu de 10 X 0 naquele timeco sem vergonha. Nada mais justa que tal comemoração. Combinamos que seria na casa do casal Peter e Ana. Ele, inglês, agente da aduaneira local. Ela, brasileira e nossa referência em Johannesburg. Resolve qualquer parada. Com carne e bebidas já compradas de véspera, o Atazanando Beckenbauer agregou-se às galeras da Riotur, da Turisrio e do Rio Convention aqui presentes e juntos zarpamos para a bela residência do citado casal, que nos recebeu já de copo em punho, pra não deixar dúvidas sobre o teor do evento. Alguns ótimos petiscos, whiskies e cervejas pareciam garantir que tudo caminharia na mais absoluta paz e harmonia. Amenidades sobre nosso dia a dia e galhofas sobre a seleção brasileira e a argentina eram o máximo a que nos permitíamos. Foi quando um acontecimento mágico, surpreendente, começou a ameaçar nossa estabilidade.

Quase que do nada, como uma aparição, surgiu Katherine, uma amiga da Ana que veio como convidada dela, se prontificando a ajudá-la com o churrasco. A visão daquela manifestação quase humana de um metro e oitenta, uns 28 anos, pele de porcelana, cabelo ruivo pela cintura, sorriso de escudo protetor colgate e dois potentes faróis de milha azuis simulando olhos, flutuando pela casa, atordoou os indefesos celibatários-por-força-das-circunstâncias ali presentes. Todos resolveram, compulsiva e simultaneamente, ajudar a ajudá-la. O tumulto já se fazia quando, face ao desastre que se anunciava, começamos a criar senhas e distribuí-las. Algo do tipo eu ajudo ela na caipirinha, você vai na farofa, por aí. Ana deu uma gargalhada, me olhou e disse: “coitada da Katherine”! Retruquei: “Ô”! Foi quando começou o churrasco, propriamente dito. Nosso valoroso Diogo Rosa, também conhecido como Diogo Santa Clara, o Rei do Cavaco Rachado, se prontificou a assar a carne, o que fez com competência ímpar. A carne (que aqui é maravilhosa) começou a sair e a paz, pelo menos momentaneamente, foi reativada. De saco cheio de tanto frio, resolvemos que estava fazendo calor. Tiramos os casacos, arregaçamos as mangas, etc. É bem verdade que o Peter providenciou uma boa fogueira, o que contribuiu sobremaneira para que usufruíssemos dessa inesquecível tarde acalorada em Johannesburg.

Na sequência, depois de muitas cervejas e elogios às tantas prendas de Katherine (vocês não fazem idéia de como ela é boa na farofa, botando cerveja em copo, então, nem se fala), começou o samba. Negão da Serrinha, nosso percussionista, que comprou aqui um tambor africano espetacular, tirou-o da embalagem e deu início à batucada.
O churrasco já estava encaminhado, o que deu oportunidade para que Diogo sacasse seu destemido cavaco rachado. Catei um bongô abandonado e estava instaurado um pagode da melhor qualidade, numa laje qualquer de Johannesburg. Todos cantavam animadamente. Discursos emocionados. Uma felicidade só. A noite caiu, e para esquecermos o frio que teimava em nos lembrar nossa distância do Rio, continuamos a beber, beber, beber... De repente, Peter apareceu com tequila, a marvada. Danou-se. The cow went to the swamp.

A estabilidade, que a essa altura já se mostrava cambaleante, desabou de vez. Nosso valoroso churrasqueiro-cavaquinista Diogo, que de agora em diante será alcunhado como Didi Tequila, tomou umas 5, uma atrás da outra. Em poucos minutos pulava e urrava alucinado pelo quintal e, a todo momento, mandava o Negão, que ainda tentava dar alguma dignidade ao samba, pra tudo quanto é lugar que se possa imaginar, e para alguns que nem se deve. Foi quando, não satisfeito com a performance já mencionada, Didi resolveu cantar a Ana, nossa amiga e mulher do policial federal daqui. Começava a se configurar um sério incidente diplomático quando fomos surpreendidos por uma nova aparição, dessa vez, providencial. Uma van surgiu no portão e nosso comandante Paulo Senise começou a encaminhar a brancaleônica trupe para ela. Negão perguntou: “aconteceu alguma coisa, Paulo?” “Ainda não”, respondeu ele.

A despedida foi das mais comoventes e Didi, 15 tequilas à frente do resto do grupo, promoveu um momento ousado que não tivemos coragem de impedir. Tacou um beijo na boca da Katherine, que ficou meio atônita, perdida entre a indignação e a elegância. Acredito que ela tenha considerado tal despedida normal entre brasileiros. Se tivéssemos essa percepção, na hora, poderíamos ter aproveitado melhor a situação.

A volta na van foi uma coisa medonha. Éramos uns 25 numa van de 16. Foi o que deu. Gente em pé, no chão, no colo, berrarias, xingamentos, peidos, o diabo. Num cantinho da van, Julieta e Miriam, duas senhoras do alto escalão do turismo carioca, caladas assistiam à cena com um olhar misto de horror e compaixão. Chegando ao condomínio, onde estamos todos juntos, ao saltar da van nosso comandante Senise deu a orientação: “Vamos terminar a noite no Parea”, que é um restaurante grego maravilhoso, bem ao lado do condomínio.

Lá chegando, pedimos umas saladinhas e umas 3 ou 27 cervejas e retomamos a comemoração. Foi quando JR, de agora em diante cognominado “JR Sete Cordas, o Rei da Baixaria”, filho do Nilo, resolveu que tinha que encher de porrada um argentino que estava no bar. Até agora ninguém tem a menor idéia do por que. Depois de uns 20 minutos de ‘deixa disso’, conseguimos mais ou menos contornar a situação. Rumamos para o condomínio. Comandante Senise levou do Parea umas várias latinhas de cerveja, para terminarmos a noite com dignidade, se é que nos restava alguma.

Fomos para o nosso apartamento e estávamos rindo dos acontecimentos quando uma terceira aparição se fez. E dessa vez monstruosa, atemorizante. Didi Tequila surge na sala só de cueca e sapato, olha pra gente e pergunta: “porque eu estou sem calça?” Comandante Senise, sempre fleugmático, me perguntou: “maestro, está tudo certo?” “Ô!”. Respondi. Resolvemos que a coisa já ia longe demais e foi cada um pro seu canto. Foi quando Negão, 5 tequilas abaixo de Didi, pra terminar a noite, resolveu passar uma descompostura no mesmo, dizendo que estávamos ali a trabalho, que aquela conduta não era admissível, etc. Didi respondia que não sabia do que ele estava falando e travou-se, por uns 15 minutos, um diálogo originalíssimo, onde os dois faziam, um ao outro, perguntas que eram respondidas com outras perguntas, num movimento tanto cíclico quanto inútil. Isso aos berros e à uma da manhã. Fiz ver que nós, recém quase despejados, não estávamos em condição de correr mais riscos. Com a promessa de que no dia seguinte conversaríamos melhor sobre o assunto consegui que a coisa acalmasse. Foi quando, para terminar a noite, os dois resolveram fazer um miojinho. Os tiragostos, as toneladas de carne, maionese, lingüiças, a exuberante farofa de Katherine, o bolo de chocolate, os sorvetes, as saladas do Parea, etc, etc, não foram suficientes para eles. Estavam com fominha, tadinhos! Achei que já era mais do que hora de eu retirar meu time desse lamaçal. Fui pro meu quarto dormir.

A noite transcorreu tranqüila. Ao longe, quando muito, se podia perceber um vômito aqui, uma blasfêmia ali, enfim, nada que pudesse ameaçar nosso sossego.

E assim foi. Acreditem.

Wilson Nunes.
Johannesburg, 6 de Julho de 2010.

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